quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Família


Acordou aos solavancos. Depois de uma noite de sonhos confusos, ela levantou-se para que não precisasse mais ouvir os gritos que a atormentavam. Ergueu-se quase sem vontade, sabia que não era por bem que estava indo. Ao chegar à cozinha suas suspeitas se confirmaram, mais uma tarefa supérflua, mas extremamente desgastante a aguardava. O dia foi se arrastando, por mais que ela tentasse aproximar-se da relação, nada funcionava, eram esforços inúteis. Naquela noite, não conseguiu dormir, pensava sobre todas as coisas pelas quais era obrigada a submeter-se, sonhava, ainda acordada, com todas as coisas que gostaria de fazer, mas ainda não podia... A vontade de dormir era conturbada por lágrimas, gritos abafados, uma vontade imensa de sair, juntar as poucas coisas que podia chamar de suas e ir embora, sem destino, mas pra longe de tudo aquilo. Sentia-se participante de um grande teatro, onde as pessoas fingiam tudo que lhes era conveniente, mas nisso ela não era boa. Sabia bem dizer a verdade, esse sempre foi o seu forte, mas isso não a tornava participante daquele mundo de mentiras e padrões sociais, pelo contrário, afastava cada dia mais. A entidade social chamada família, já não fazia sentido, pelo menos não essa. Não conseguia conceber a idéia de que precisava conviver, respeitar e obedecer a pessoas que só se preocupam com seus próprios egos, conceitos e crenças. Seus pensamentos se confundiam a cada vez que ouvia alguma crítica... Será que todo o problema se resumia a ela? A sociedade prega que devemos nos submeter às ordens e desmandos de nossos “superiores”, mas ela não cabia nos desmandos dos seus, não fazia parte dela ser diferente de sua essência. O sono demorou muito a chegar, sua mente estava cansada, mas recusava-se a deixar-se levar pelos sonhos, tinha medo do que viria pela frente. Vários dias se seguiram a esse, e alguns poucos momentos de alegria a iludiam, fazendo-a acreditar que ainda podia ser feliz ali, que ainda podia ser igual aos outros, que ainda conseguiria não ser julgada pelas duras cortes da sociedade. E os dias se acumularam, e os valores que ela acreditava que ainda existiam foram de esvaindo diante de seus olhos, já não acreditava mais que poderia sair dali. Conformou-se com a idéia de tolerar, crer em algo que não tinha ainda, nem conhecia, mas que pretendia construir com suas próprias mãos. O famoso “porto seguro” símbolo que a família representa na sociedade, já não existia para ela, mas fingir crer algumas vezes lhe dava forças para continuar em frente, trilhando um caminho sem ponto de retorno, tentando não olhar para o espelho que carregava, tentando não se perder. Finalmente dormiu e mais uma vez se perguntou se realmente queria acordar.

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