sábado, 2 de outubro de 2010

Mais um dia


Acordou as 4:00 da manhã, olhou ao redor e não enxergou  bem o seu quarto. A escuridão do ambiente e sua miopia não deixaram.  Levantou-se com suas roupas velhas de dormir, pegou o celular que tocava  uma musica meio distorcida... seria mesmo uma musica? Não, não era. Era uma voz que praticamente recitava um texto que ela conhecia bem, aquela voz havia escrito o texto pra ela. Quis ficar mais na cama, queria ouvir mais, a voz a acalmava... Acabou adormecendo novamente. A voz novamente recitava o texto, não pode mais adormecer. Tinha muito que fazer. Saiu da cama. Pegou a toalha que ficava displicentemente jogada no puxador da porta do guarda-roupa, foi até o banheiro, tomou banho, escovou os dentes, saiu com frio enrolada na toalha, foi até o quarto e se vestiu, chateada por não encontrar sua calça favorita. penteou os cabelos longos e pretos com a displicência de sempre, pegou a bolsa já pronta, afinal, grande parte do conteúdo dela não saía de lá nunca. E saiu.
 O sol ainda não tinha nascido quando ela subiu no ônibus sem enxergar bem ao redor. Não, dessa vez não era a escuridão nem a miopia, mas o sono e a falta de atenção. Parecia que mesmo de pé sua mente continuava em sonho, em transe. Pensava sobre muitas coisas: A vontade de estar na cama, a ultima “tarde” de amor que teve com o ainda namorado, na esperança ainda distante de transformá-lo em algo mais do que isso. Sonhava...  pegou o fone de ouvidos na bolsa, colocou nos ouvidos, a musica servia apenas como fundo musical dos pensamentos, as vezes nem era percebida, servia para abafar o barulho do motor do ônibus e o fervilhar das vozes ao redor. Continuou vagando por suas lembranças, pensamentos, desejos, anseios... Chegou ao trabalho. Não, ela não gostava do emprego. Esta era a parte do dia que não merecia comentários, apenas um ou outro colega, apenas um ou outro absurdo q ouvia. Voltou pra casa mais uma vez absorta em seus pensamentos, dessa vez mais frustrada por lembrar que estava presa àquela situação. Chegou em casa, jogou a bolsa a um canto, tirou os sapatos, esquentou o almoço. Comeu com pressa para poder descansar. Deitou com a mesma roupa q estava e dormiu, e sonhou. Nunca lembrava com o que sonhou, mas sempre com quem sonhou. Era ele que povoava seus sonhos por mais absurdos que fossem. Acordou mais uma vez com o celular que tocava uma outra musica. Levantou, ligou para ele que já estava quase pronto. Como era bom ouvir sua voz, e melhor ainda era ver aquele rosto conhecido e amigável subindo pela porta do que pegou logo após ter tomado banho, se arrumado e discutido pela milésima vez com sua mãe. Foram juntos até parte do caminho, como geralmente faziam, nesse dia ela estava mais calada do que o normal, não pode se alegrar com a animação dele, mas também não quis dividir o que estava sentindo para não deixá-lo triste. Guardou e tentou calar. Mas as lagrimas falaram por ela. Tentou esconder, talvez tenha conseguido. Chorou. Chorou como alguém que perdeu algo importante... Mas o que ela havia perdido? Sua força. Sentia-se fraca, impotente, presa, amordaçada. Ela o abraçava, mas ao mesmo tempo tentava se afastar, não queria que ele a sentisse como um peso. Mas chegou a hora de seus caminhos se dividirem, ele se despediu com um beijo e foi. Ela permaneceu ali, inerte, com lagrimas nos olhos, tentando entender por que não conseguia fazer nada para sair daquela situação... por todo caminho permaneceu tomada por seus pensamentos. A cada flash de lembrança que vinha a sua cabeça, mais lagrimas vinham a seus olhos. Se via como um peso na vida dele, se esforçava para estar bem com ele mas nem sempre conseguia, esperava coisas dele que não se sentia a vontade em falar, cobrava outras que ele não aceitava. Sentia-se mal. Chegou a faculdade. Lá era o ambiente mais ameno em que convivia. Gostava do curso. As pessoa eram agradáveis mas não muito próximas. Esteve apenas presente. Não prestou atenção em nada do que os professores disseram. Voltou para casa  bocejando e mais uma vez pensando... dessa vez pensava no quanto queria ver bem... estar bem... A solução que via ainda estava tão distante, mas de certa forma trazia esperança. Ela sabia que eles seriam mais felizes assim... chegou em casa como sempre cansada. Entrou, jogou a bolsa e a pasta a um canto novamente, comeu alguma coisa que não sentiu bem o gosto, o cansaço não deixou. Trocou de roupa, deitou, não dormiu, esperou. Não dormia enquanto ele não chegasse, ficava preocupada. Só a voz dele, minutos mais tarde, trouxe o sono, a paz. Dormiu. Dormiu mais uma vez frustrada, como alguém que dorme preso, sem saber por qual crime. Mas dormiu também com saudades dos dias em que tem um bom convívio com os pais, em que ri com eles. Dos dias em que pode ter seu namorado ao lado, em que pode dormir em seu peito. Esses dias, tão diferentes deste aqui narrado, eram os dias que faziam seus 19 anos de vida valerem a pena, eram os dias que lhe traziam o sopro de vida que a mantinha de pé para suportar todos os dias como este.